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A (IN)COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR O EX-PRESIDENTE.

Por Em Dia Com A Notícia em 18/03/2025 às 20:36:53

Fonte: Divulgação

"Se todos os juízes tem jurisdição, nem todos, porém, se apresentam com competência para conhecer e julgar determinado litígio. Só o Juiz competente tem legitimidade para fazê-lo." [1]

A competência é o poder de que detém o julgador para decidir sobre algumas matérias em delimitado espaço. Em linha simples, os juízes têm aptidão para julgar determinadas causas (cíveis, criminais, trabalhistas) e em determinados lugares (Locais dos fatos).

O Supremo Tribunal Federal, como está descrito em seu nome, é o órgão supremo da justiça brasileira. No entanto, será que esse Tribunal tem competência para julgar todas as causas?

- Não!

A competência da corte suprema do Brasil é atribuída pela Constituição da República, em seu artigo 102. Este define as ações, matérias e pessoas (ou "funções") que lhe compete julgar, conforme estabelecido:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;

j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;

o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público;

II - julgar, em recurso ordinário:

a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

b) o crime político;

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Portanto, após a análise da competência da Suprema Corte, conforme o artigo 102 da Constituição, questiona-se: teria ela a competência para julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro?

Ao nosso ver, a resposta é negativa!

De fato, como mencionado na alínea "b", inciso I, do artigo 102, compete ao STF o julgamento do "Presidente da República" nas infrações penais comuns. Assim, em razão da função exercida, o Presidente da República deve ser julgado pela Corte Suprema. É a chamada prerrogativa de função.

Contudo, observe que a Constituição é clara ao dizer que somente o Presidente deve ser julgado, não fazendo referência ao cargo no passado. Não está escrito ex-presidente.

Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal, em outras ocasiões, já decidiu:

"Foro privilegiado em raza?o de func?a?o. A prerrogativa e? concedida em obse?quio a? func?a?o, a que e? inerente, e na?o ao cidada?o que a exerce. Deixado definitivamente o cargo, por qualquer motivo, o seu ex-titular respondera? no foro comum."

(HC 33.440/SP)

No julgamento da ação penal 937, em questão de ordem, o Ministro Luis Roberto Barroso, fundamentou seu voto para não estender a competência do STF para ex-parlamentares, com os seguintes dizeres:

"Ressalte-se que a prerrogativa de foro traduz mate?ria de direito estrito e, por isso mesmo, deve merecer interpretac?a?o que impec?a a expansa?o indevida da compete?ncia penal origina?ria desta Suprema Corte?"

Entretanto, no julgamento do Habeas Corpus 232627, em 12 de março de 2025, o Supremo decidiu que a competência deve permanecer mesmo após a cessação das funções, nos seguintes termos:

"a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício".

Essa ampliação da competência da Suprema Corte ocorre justamente após a defesa do ex-Presidente ter arguido a incompetência do STF para julgá-lo [2], situação que servirá de fundamento para a sua rejeição.

E, aqui, cabem duas observações:

1) Fica parecendo proposital uma decisão dessa natureza - mesmo sabendo que não é -, para se criar um tribunal de exceção para o julgamento do ex-presidente;

2) Em qualquer corte suprema no mundo, a competência se relaciona com os casos materialmente constitucionais - forma de Estado, forma de governo, modo de aquisição e exercício do poder, os meios pelos quais esse poder se expressa e direitos fundamentais - de modo que não se entende o "porque" de o STF ampliar sua competência para julgar mais processos.

Dessa forma, considerando que o entendimento anterior foi firmado no ano de 2018, acredito que o Supremo não deveria revê-lo agora para ampliar sua competência.

De todo modo, a melhor interpretação da Constituição Federal é aquela anterior, consubstanciada na impossibilidade de julgamento do ex-Presidente pela Suprema Corte, exatamente porque, em se tratando de competência por prerrogativa de função, deve-se afastar qualquer interpretação que elasteça o rol de "beneficiados".

RICARDO HIROSHI BOTELHO YOSHINO

Advogado – OAB/SP 203.816


[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, p 201.

[2] Muito embora já houvesse maioria formada antes mesmo da sua finalização.

CONCREFORT
MUNICCA - ADRIANO (teste)